domingo, 24 de junho de 2012

O único hobby de Merval Pereira ou como (não)legitimar um golpe de Estado


O único hobby de Merval Pereira ou como (não)legitimar um golpe de Estado
Por Prof. Leonardo Soares dos Santos
Dr. em História
Prof. do PUCG/UFF
Jogar a história pra debaixo do tapete do salão de chá da ABL não é o único hobby de Merval Pereira. Eis o seu maior vício: tratar diariamente a verdade e o bom-senso a base de socos e pontapés.....










Estava eu, naqueles idos de 2003, tentando me refazer do susto, do choque: procurei tomar todas as garantias para atestar que aquilo era verdade, que realmente tinha acontecido. Meu coração palpitava. Até que dei de cara com a Ana Paula Padrão, num plantão do Jornal da Grobu (pra você ver a que ponto ia o meu desespero....), anunciar o acontecimento do ano: o magnata das telecomunicações Roberto Marinho tinha acabado de partir para fazer companhia ao dono da rede Global lá dos Quintos...

Mal havia me recomposto de tamanha “tristeza”, lá estava Jô Soares, empregado exemplar, fazendo uma bela duma média com o ex-patrão, num programa especial em homenagem póstuma. Foi um festival de declarações do tipo: “Ele conquistou tudo com muito trabalho”, “Ele construiu esse Império sempre respeitando a concorrência”, “Ele era acima de tudo um patriota”, “nunca pisou em ninguém” .... e outras atrocidades que, por respeito à inteligência de você leitor(a), deixarei de citar.

Mas, uma declaração me chamou a atenção – e que despertou uma sensação estranha no meu estômago -, dita por um sujeito de aparência simpática, fala mansa, com um ar um tanto bonachão, que confesso, ainda não conhecia muito até então. E ele disse: “O seu Roberto nunca levou em consideração a posição política e/ou ideológica de seus empregados. Ele só se preocupava em saber se o sujeito era competente ou não. Tudo o mais não o interessava.”. Desde aquele dia, desde aquela declaração, pude constatar até que ponto um sujeito pode trucidar com a verdade histórica trazendo em seu rosto ao mesmo tempo um sorriso puro e faceiro. Mas que no fundo guarda um profundo desprezo pela inteligência alheia. Assim fui apresentado ao espantoso e sinistro senso de humor negro do senhor Merval Pereira. E ao arrematar, sempre com um ar risonho e plácido, com um “Seu Roberto era um exemplo de homem tolerante”, confesso caro(a) leitor(a), não tive outra saída a não ser me dirigir ao meu pobre vaso sanitário.... depois disso, o fato de nenhum convidado (a matar com a evidência história) não dizer uma palavra sobre o apoio do finado às ditaduras aqui e acolá passava a ser irrelevante.

Mas, um outro evento me leva a escrever sobre essa figura (e constatar que ele não mudou nada, ou seja, continua a surrar com sadismo a verdade). Vamos tentar adentrar um pouco nessa mente complexa a partir de um texto publicado no O Globo (do qual ele é um dos editores há décadas). A empreitada exige coragem, certo desprendimento das coisas do mundo – em especial o gosto pela lógica. Mas antes, por favor, tirem as crianças da sala. As cenas, isto é, as afirmativas, são fortes, tais quais os golpes do assassino da serra elétrica. Mas não se preocupem, os golpes são encetados contra a verdade e não contra as cabeças alheias, tal como na película.

Em “Dentro da lei” (O Globo, 23/06/12, p. 4) o imortal articulista já entra de sola: afirma que a deposição golpista contra Fernando Lugo foi dentro “das normas constitucionais”. Calma, pois Merval reconhece que foi “o desfecho de uma disputa política que se desenrola praticamente desde que ele chegou ao poder”. Ufa!, enfim, uma ponta de esperança, de lucidez, de um mínimo de respeito pela realidade. Mas ele não se controla e encesta um golpe baixo, nada mais apropriado....

Comentando algumas das tentativas pregressas da “oposição democrática”(risos) à Lugo, Merval lembra que o ex-padre católico havia sido denunciado pelos vários filhos que havia tido, por não segurar o fogo que se escondia sob a batina. E o classifica como “escândalo sexual”. E Merval começa a se trair aqui. Onde uma “denúncia” de produção imprópria de filhos pode fundamentar um pedido de impeachment? Isso quando muito poderia ser assunto do Vaticano para com o Sr.Lugo, mas nunca uma questão minimamente relevante para a República do Paraguay, se ela fosse realmente laica, conforme expressa em sua Constituição. Mas aqui o preceito constitucional é jogado fora, no lixão da vulgarida, pelo Sr. Merval. Ora, se o Sr. Lugo teve 300 filhos, isso é um problema dele com as outras centenas de mulheres com as quais ele possa supostamente ter tido relações. E a mais ninguém. Mas no afã de legitimar o golpe o Sr. Merval tenta empurrar por nossa goela o argumento de que o impeachment de um presidente democraticamente eleito possa se fundamentar em denúncias – e assim, implicando no processamento de todo um rito investigativo e decisório -, a partir de disse me disse sobre as agudas preferências de Lugo pelo sexo contrário....

Mas Merval vai além. Não satisfeito, ele avança em seu sadismo. E apunhala a verdade sem dó nem pena. Ele então pondera sobre o golpe (não a dele sobre a verdade, mas este sobre Lugo): “Mesmo que a motivação seja política, não é possível classificar de golpe o que aconteceu no Paraguai, sob pena de darmos razão ao hoje senador Fernando Collor de Mello que se diz vítima de um ‘golpe parlamentar’”. Mais uma vez suplico (em especial aos teimosos): tirem as crianças da sala. Vejam até onde pode chegar a sanha assassina desse senhor. Olhem bem o tipo de lógica exposta. Se consideramos golpe o ato contra Lugo, então o Collor, que disse que o que fizeram com ele foi um golpe, tem razão em afirmar que o que fizeram contra ele foi realmente um golpe. Entenderam?

Vejam o absurdo de tal lógica a partir de dois exemplos mais concretos. Se por acaso dissermos que o que aconteceu na China em 1949, em Cuba em 1959 ou na Rússia em 1917 foi uma revolução, estaremos dando razão aos militares brasileiros, já que eles afirmam que o que fizeram em 64 foi uma revolução. E uma “revolução redentora”. Outro exemplo: se afirmarmos que o que aconteceu com Lugo foi um golpe, estaremos – aos olhos cheios de ressaca (de Velho Barreiro) do articulista – dando razão a todos os ditadores depostos pelo movimento do povo, seja na Europa, na África, na Ásia, os quais todos se disseram vítimas de “golpe contra a democracia”: vide os últimos exemplos de Mubarak, Khadafi e Sadham Hussein. Reparem na atroz pobreza da argumentação: junta num mesmo balaio contextos, personagens, situações, épocas, questões as mais distintas e distantes. Tudo para satisfazer esse impulso sinistro: que é de massacrar o bom-senso custe o que custar. Merval parece se nutrir da desgraça desse conceito. E lhe cospe na cara sem cerimônia!

Mas Merval esconde debaixo dos panos (ou no seu caixa 2, a serviço da desinformação) um elemento importante: Collor (que só chegou ao poder com apoio Global descarado), ao contrário de Lugo, não foi impeachtmado em menos de 24 horas, mas ao longo de um processo criterioso, detalhado e bem fundamentado, em trabalho reunindo a Polícia Federal e as duas casas do Legislativo (a dos senadores e a dos seputados) que se arrastou ao longo de quase seis meses. Eu disse: SE-IS ME-SES!!!!!!!!



E é nesse pé que seu arrazoado contra Lugo (e contra a democracia paraguaia) vai caminhando. Eu poderia continuar dissecando esse cadáver (esse presunto de alcunha srª Verdade) por mais tempo, mas pra quê prosseguir dando ibope às sessões de tortura perpetradas pelo Sr. Merval, nesse seu IML do bom-senso? Juro que fico só com mais esses dois aspectos abaixo.



É realmente curioso o resgate feito pelo autor do termo “República das bananas”, ao se referir ao caso de Honduras de Zelaya. Tal conceito, forjado por O. Henry em 1904 se restringiria aos “governos corruptos e ditatoriais” da América Central. Ué, e na América do Sul? Hã meus caros, é aí que o Sr. Merval mostra sua outra faceta: o seu descaso pela história. Mas isso não é toa. Como justificar que a empresa que sempre pagou seus proventos foi uma das principais fomentadoras do golpe que depôs Getúlio Vargas (e que acabaria o levando a morte)? Como dizer loas à democracia a partir dos teclados da redação de um jornal comprometido até a goela com uma ditadura brutal, como a instaurada pelos militares em 64? Quanto a isso o que tem a dizer o Sr. Merval? Nada. Ele – assim como seu ex-patrão – só via ditadura do Canal do Panamá pra cima.



Mas o seu prazer em estripar com a verdade só não é maior do que a própria sensação de gozo que está experimentando com o golpe do Paraguai. “Ah, se isso se espalha...”. Deve estar pensando ele e outros “democratas” de ponta (de estoque). A gana dessa gente por golpe (um belo golpe de direita...pois não) não tem fim minha gente, não se enganem. Imaginem um golpe mais em cima, um golpe no Peru. Procurem imaginar a satisfação, a festa desse articulista, defensor da moral e dos bons costumes, da família e da propriedade....

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