PARTE 1
O que já era evidente antes dos
motins que abalaram o Brasil, ficou mais do que cristalino agora.
Com palavras e, fundamentalmente,
ações, três dos grandes nomes da história de nosso futebol deixaram claro o que
pensam sobre o país.
Seu presente, seu futuro.
E a importância que a vida dos
brasileiros têm em suas preocupações cotidianas.
Ou não.
Comecemos por Pelé. Rei do futebol.
Figura mitológica dos gramados. Milionário.
Mas que curioso, ganhou muito mais
dinheiro depois que parou de jogar.
Vendendo sua própria imagem.
A imagem do Rei, a do atleta do
século.
A imagem ganhou tal dimensão a ponto
de Pelé se referir a ele mesmo sempre na 3º pessoa.
Mas Pelé nunca foi unanimidade.
Suas namoradas e esposas, todas
brancas, e quase todas loiras, suscitavam acusações de que nunca teria assumido
sua condição de homem negro.
Até seu título de Rei do Futebol era
contestado. Que o diga a Argentina.
“Si Pelé és Rey, Maradona és el Dios” –
mangavam os irreverentes argentinos.
E a disputa entre os dois sempre foi
acirrada.
A ponto de Maradona ter chamado Pelé de
“macaquito”...
Mas Pelé não deixava por menos. E
revelava uma faceta importante de seu caráter.
Por mais de uma vez, quando
criticado por Diego, Pelé com alta dose de crueldade, replicava em tom irônico:
“não vou responder a ele. Até por respeitar o problema dele com as drogas”.
Era conhecida a dependência do
craque argentino frente à cocaína.
Aquela frase – lamentável – foi dita
ainda nos Stade Sant Denys, após a surra aplicada ao Brasil pela França na
final da Copa de 98.
Mas o destino tratou de ser irônico.
Anos depois, Edinho, filho de Pelé era preso sob a acusação de tráfico de
drogas.
Para amenizar a pena, Edinho
declarava que era apenas usuário...
Pelé deve ter se arrependido. Sofreu
na pele com o mal que afligia Diego.
E o destino tratou de agir com requintes
de crueldade quando Pelé narrou todo o seu drama em pleno programa de TV na
Argentina.
Programa apresentado por ele, El Dios...
E chegou a ser constrangedor, quando
Pelé aos prantos foi socorrido com um lencinho branco oferecido por Diego.
Mas nada é comparável com o que
sofreu Sandra Regina.
Nascida de um caso de Pelé na
juventude.
Paternidade comprovada, mas depois
que a Justiça assim determinou.
O reconhecimento de Pelé era apenas
protocolar, nunca quis falar com Sandra. Esta sempre jurou que nunca pediu nada
a ele.
A não ser ter alguém para “poder
chamar de pai”.
Sandra se tornaria vereadora por
Santos. Por duas vezes.
Conseguiu tornar lei um projeto que
tornava gratuito o exame de DNA.
E Edson Arantes continuava sem
querem qualquer tipo de aproximação.
Mesmo quando em 2005 com o
diagnóstico de câncer de mama de Sandra.
Em fase terminal, Sandra ainda
esperava receber uma visita de Pelé.
E que seria a primeira e última.
Seu marido revelaria que dias antes
de morrer, apesar de muito debilitada,
em estado pra lá de precário, Sandra tinha o cuidado de se maquiar, para
poder receber a derradeira visita de seu pai.
O que nunca ocorreu!
Pelé, o Edson, ainda enviaria flores
no velório que não compareceu, em nome das Empresas
Pelé.
Os parentes de Sandra devolveram.
Pelé sempre foi um entusiasta da
Copa no Brasil.
As possibilidades de lucro eram
tantas, que reataria relações com Ricardo Teixeira.
Com quem tinha rompido há décadas.
E desde então, com a escolha do
Brasil em 2007 pela FIFA, Pelé esqueceu toda e qualquer tipo de inimizade.
E assinou vários contratos de
publicidade, ganhando com sua imagem. Como de costume...
Para ganhar dinheiro, Pelé não hesitaria
em defender as Olimpíadas de Inverno em plena selva amazônica.
Mas tudo desandou nos últimos dias.
Na estréia do Brasil na Copa, no
sábado, a Presidente recebeu uma estripitosa vaia no Manezão.
Triste indício – para ela – que o
povo desistiu de ser mané.
E Pelé com isso? Ele estava gravando
um comercial.
Na semana seguinte, o Brasil se
tornaria um barril de pólvora.
E a reação de Pelé foi deprimente.
Um escândalo.
Disse num vídeo em alto e bom tom
que o povo tinha que parar com isso, “esquecer”.
Era preciso só pensar na Copa, “torcer
pela Seleção”.
Tinha que parar com essas “manifestações”,
com esse “tumulto todo”.
Pois tudo “não passava de uma grande
confusão”.
A reação foi quase imediata.
Pelé foi duramente atacado nas redes
sociais.
Virou alvo da inflamada massa.
A famosa frase de Romário “Pelé calado
é um grande poeta” ganhou estatus de grito de protesto. Virou alvo.
Foi jogado na vala comum das
personalidades enxovalhadas pelos manifestantes.
Pelé não percebeu que não vive mais
na ditadura.
Que o povo não se satisfaz apenas
com futebol.
Ele ainda não entendeu que a
realidade é bem diferente.
Que a miséria, injustiça e corrupção
não podem mais ser sublimados com o famoso “Pra frente Brasil”.
Que se possa esquecer todas as
mazelas a partir do momento que a bola role.
E viu que havia falado besteira.
Tentou consertar. Mas a emenda foi
pior que o soneto...
O povo percebeu. E não aceitou.
Manifestantes não perderam a
oportunidade.
Em plena Três Corações, terra natal
do Rei, puseram uma mordaça na sua boca.
O recado foi claro. Desse jeito e
com essa mentalidade, é preferível que Pelé seja o maior dos Poetas.
Leonardo Soares é historiador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário