quinta-feira, 26 de julho de 2012

Da Barra da Tijuca ao Piranhão*, a trajetória do mercador de direitos.



Paes, o homem que implora até hoje por perdão pelo fato de um dia ter dito a verdade. Ao mesmo tempo, ele exige que o povo carioca o agradeça por lotear a cidade, quase quadruplicar a dívida do município e tirar dinheiro da educação para pagar contas de água e esgoto de escolas de samba.
Quem pode entender esse moço???



A crença inabalável, quase fanática, no seu poder de parecer convincente diante do público é realmente algo que não se pode negar em relação ao atual prefeito da Cidade Maravilhosa(para o capital imobiliário). Certas pessoas têm tanta confiança em seu próprio taco que às vezes isso pode ser confundido com falta de senso do ridículo. Essa confiança de Paes é a mesma que vemos em figuras como Malu Magalhães posando de cantora sensual, ou no Marcos Mion, que insiste em achar que é engraçado ou na Maria Rita, que realmente crê que alguém consegue acreditar que ela é sambista ou que sabe cantar samba (mas como isso é possível meu Deus do céu?). Isso se chama autoestima minha gente. Confiança em si. Não, isso não é típico de uma “pessoa sem noção”. O caso é mais sério. Ela não está nem aí mesmo para a realidade. Temos que tirar o chapéu para Paes. Que talento, que descortino. Não estamos falando de qualquer um. O homem é demais. Sua performance no personagem do homem de bem é tocante. É como ver Fiuk mostrando que como péssimo ator, ele consegue ser um cantor pior ainda.

Vejamos agora o caso de suas amizades políticas. De 2005 em diante ele diria para quem quisesse ouvir e acreditar nele – o que não é fácil... – que o então presidente Luiz Inácio, o Lula, sabia de tudo que se passava ao lado do seu gabinete, quando companheiros de ParTido tratavam de dar sustança ao Caixa 2 então em formação. Ou seja, ele com todas as biritas que pudesse ter no meio das ideias, sabia desde o início de todo o esquema consagrado pelo nome “Mensalão”. E Dudú dizia isso com uma ênfase como “nunca antes na Estória”. Por mais que tapasse seus olhos com as duas mãos, ele – o Messias de Garanhuns - via pela frestinha do dedo que lhe faltava, o esquema que alimentava as cuecas alheias e carros-fortes pelo país afora. O presidente petista era cúmplice, quase um comparsa, segundo o então deputado federal, que participava da CPI.  

Mas tudo mudou. Diante do rompimento com Cesar Maia, seu antigo guia espiritual e de sigla partidária, o “prefeitinho da Barra” foi buscar abrigo no PMDB de Cabral. O arranjo, verdadeira dobradinha, já havia começado no final do primeiro turno da eleição para governador de 2006. Eleição que alçou Cabral ao posto de líder máximo da máquina fluminense. Ganhando inclusive de Paes. Mas este via longe. A parceria prometia. Ainda mais pelo fato do então governador iniciar uma luta encarniçada contra um antigo aliado, o nosso Little Boy da terra do chuvisco, o Anthony Matheus, o cel. Bolinha. De antigo aliado, passou a ser a vítima-mor da nau cabralina.

O cenário era quase perfeito. Aliado do comandante da máquina. O qual tratava de marginalizar uma liderança de peso – literalmente - do interior fluminense. Assim como sua esposa. Quando do discurso de porre, digo, de posse, Cabral nem havia ainda passado o primeiro lenço na sua suada testa, para bradar: “terei que fazer milagres para pagar os funcionários em dia”; “as contas do governo estão um caos”; “essa é a herança que me deixaram”. Fazendo questão de utilizar a terceira pessoa do plural ao se referir ao governo rosáceo.

E o futuro se tornava mais convidativo para Paes quando via seu antigo aliado e padrinho político cada vez mais em baixa no município do Rio. Metendo os pés pelas mãos. Que destruía o último naco de credibilidade que lhe restava, batendo pé para construir a Cidade da Música. Um desastre. Um verdadeiro cemitério. Indigno até para grupo de pagode paulista. De bilhões. Tristonho, Cesar chegou a ficar com o patrimônio zerado. Na sua última declaração ao TSE, simplesmente registrou “não ter bens”. Doou tudo para sua família. Tal como Severino Cavalcanti, pode bradar: “Fiquei pobre com a política!”. Acredite se quiser, completaria Jack Palance....

Diante de tal quadro o que mais Dudú poderia querer? De uma hora para outra o futuro prefeito carioca – pois ele só pensava na-qui-lo – se imaginava ao lado de Serginho, num daqueles banquetes tão ao gosto do governador, em pleno Ritz de Paris, degustando o fechamento de uma aliança que prometia. Ou como se estivesse na mansão dele em Mangaratiba, degustando lagosta e caviar, regado a Romanée Conti. Mas era tudo muito bom pra ser verdade. Causava até estranheza pensar que tudo era tão facin facin assim. É, pois havia uma indigesta espinha no banquete. Ou melhor, havia, com o perdão do trocadilho, um molusco de barba no meio desse fandango. Era o Lula, ele, o grande aliado de Serginho. Braço-direito do presidente em terras fluminenses. Estado cada dia mais estratégico: royalties, Comperj, Olimpíadas, CSA etc. Dudú sabia que para continuar contando com o apoio de Cabral teria que resolver essa pendência com Lula. Entenda-se: tratar de pedir perdão ao homem que um dia ele acusou de ser cúmplice de mensaleiro. Ele sabia que Cabral nem cogitava a ideia de se desfazer do apoio do petista. Impossível. Era bem mais fácil imaginar Cabral desistindo de assistir a um concerto na Place de La Concorde (à Paris) para poder ver uma apresentação do Luan Santana, o Elvis Presley do Pantanal, no Mauá de São Gonçalo. Com direito ao sinalzinho do coração com as duas mãos em homenagem ao estrábico menestrel teen.

O que fazer? Já perguntava Lenin. Nada que uma bela carta de desculpas não desse jeito. E foi isso que fez o novo amigo de infância de Cabral. O perdão presidencial foi dado – muito a contragosto. Mas perdoar e deixar o orgulho de lado com base em interesses nunca foi um problema para o ex-sindicalista. E Dudú se disse satisfeito com a “justificativa” presidencial: não era mensalão e sim Caixa 2...

O caminho estava mais do que pavimentado (pela Delta, é claro) para a mais nova,  dinâmica e bat dupla do pedaço. Ninguém parecia capaz de segurá-los. A escolha do Rio como sede das Olimpíadas foi a cereja do bolo desse casamento. Agora era botar a mão na massa. Um Rio de obras a ser saboreado até 2016. O Rio só não sediará as Olimpíadas de inverno. “Se o negócio é neve, a gente manda comprar”. Deve ter delirado o candidato dos empreiteiros. O céu parece ser o limite para essa dupla.



É claro, não esqueçamos que mesmo assim Dudú cortou um dobrado para vencer por apenas 50 mil votos o Gabeira. Mas venceu. O que muito se deveu ao belo nível do debate travado, que se concentrou na grande questão se “Gabeira dá ou não dá?” e a celeuma criada entre este e uma liderança da Zona Oeste. Paes ainda fez a gentileza de – em mais uma de suas performances antológicas – se declarar suburbano, jurar que adora samba e a feijoada da Tia Surica da Portela.

E embriagado por tantas conquistas, o nosso eterno “prefeitinho” brindou a população da cidade e o funcionalismo com uma série de medidas. Uma melhor que a outra. Em favor da privatização do serviço público. Em favor do controle desmedido e sem freios do capital imobiliário sobre o espaço da cidade. Em benefício da festança das empreiteiras. Em prol da mercantilização dos direitos, como se a cidadania pudesse ser tratada do mesmo modo que uma peça do vestuário: só tem quem pode comprar.

As conquistas de sua administração (de deixar qualquer ultraneoliberal que nem pinto no lixo) pesam sobre os ombros do povo carioca: desvio de dinheiro da educação para pagar contas de água e esgoto de escolas de samba; despejo de comunidades para a construção de obras olímpicas; implantação de chips em jalecos de médicos da rede municipal; uma licitação de ônibus colocada sob suspeita pelo próprio Tribunal de Contas; a explosão da dívida do município (cerca de 400%); obras absurdas, como a demolição do velódromo, cheirando à tinta ainda... para a construção de... outro, igualzinho.

Não satisfeito, ele reivindica um novo mandato. E as chances dessa ameaça se concretizar são grandes. Que candidato será capaz de mobilizar e engajar a população numa luta de resistência contra esse projeto ético-político, que busca explorar até o talo as energias vitais da sociedade e da própria cidade em benefício exclusivo do grande capital? Quem mais, se não o povo, poderá detê-lo?




Leonardo Soares dos Santos, professor da UFF/Campos e prisioneiro de Paz.

* Simpático epíteto conferido à sede da Prefeitura, por se localizar próxima a afamada Vila Mimosa.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Habermas e eu - Notas sobre o lançamento de “Teoria do Agir Comunicativo” de Jürgen Habermas


Habermas e eu - Notas sobre o lançamento de “Teoria do Agir Comunicativo” de Jürgen Habermas 
George Gomes Coutinho

Minha relação com a obra de Jürgen Habermas se deu por caminhos tortos. Talvez eu não seja o único e não poucas vezes o contato entre pesquisadores e autores substantivos decorre da mesma maneira.  Por acidente, por incentivo reverso, por contingências inúmeras que demarcam a trajetória humana, etc.. Em suma, muitas vezes nunca pela linearidade cartesiana que ainda é uma quimera na constituição do self e da própria Universidade.

Me recordo sempre da autoanálise de meu quase xará Georg Lukács sobre sua relação com a obra de Marx e a considero ilustrativa para as próximas linhas. Lukács, que manteve contato com homens do quilate de Weber, Simmel e Ernest Bloch, transitou elegantemente entre a obra de Kant e de Hegel. Pensou de forma apaixonada uma sociologia da arte e da literatura até chegar a um empreendimento de indisfarçável tônus político. Mas, só em dado momento este chegou a Marx. Mas, como já disse, não sem antes passar por boa parte das correntes filosóficas alemãs. O adjetivo “torto” foi justamente apresentado pelo filósofo húngaro para explicar esse “caminho” para Marx. Penso ser adequado aqui.

Retomando Habermas, me recordo em uma palestra, apresentada por um dos baluartes da sociologia do trabalho brasileira, onde um julgamento foi expresso na seguinte frase: “Habermas é um idiota”. Minha reação foi de profundo desconforto. Afinal, emitir um julgamento deste teor ante uma plateia de neófitos em ciências sociais, era um gesto de grande coragem? Ou da mais pura irresponsabilidade, dado que a maioria sequer tinha lido uma orelha de livro do referido autor?

Chocado e motivado pelo incentivo reverso decidi checar o julgamento, averiguar se este era justo ou não. Não se sustentou em poucas leituras atentas. Em verdade, algo que se tornou um mote em meu oficio, sempre pergunto aos meus colegas e alunos se alguém que dedica sua vida ao estudo sistemático de qualquer tópico das veredas humanas poderia ser considerado um idiota. Não me parece algo sustentável. Decerto menos ainda quando falamos de Jürgen Habermas.

A obra de Habermas, este que iniciou suas pesquisas analisando o movimento estudantil alemão e foi assistente de ninguém menos que Theodor W. Adorno, decidiu repensar as ciladas e possibilidades da emancipação humana durante e após as barbáries e desilusões do breve século XX. Por este intento Habermas já mereceria destaque. O “mais filósofo dos sociólogos ou o mais sociólogo dos filósofos”, como diria Frederic Vandenberghe, alicerçou uma teoria social sofisticada, hermética , complexa e calcada nos arredores dos dilemas históricos de nossa época, apresentando respostas desmesuradamente humanistas. Nestes termos, a “Teoria do agir comunicativo”, que nos é apresentada pela Martins Fontes em uma edição nacional luxuosa, presta um grande serviço não só para a divulgação desta obra prima. Arrisco apostar que possamos ter um fôlego renovado ao pensarmos no interesse acadêmico sobre Habermas.

“Teoria do agir comunicativo” (doravante TAC), até então uma obra muito comentada e pouquíssimo lida, ao tornar-se acessível nos indica a possibilidade de um novo começo. No “mundo pós teórico”, como diria o crítico literário Terry Eagleton, onde a superficialidade e um empirismo vulgar corroem a inteligência acadêmica, termos a chegada de um texto teoricamente ousado é um bálsamo. Repensar a emancipação humana a partir da comunicação, pautada em critérios de verdade e respeito, apresentar o caráter libertário da discussão interessada é um arsenal inspirador para o nosso momento enfadonho. 

Prosseguindo, sempre me causou espécie essa busca obstinada pela comunicação enquanto arma. Ainda mais vinda de um pensador que apresenta claros problemas de fala. Habermas nasceu sofrendo o estigma do lábio leporino e em suas palestras sua voz fanha é algo impossível de não ser notado. Portanto, que possamos encarar a TAC também por este heroico caminho existencial da superação humana. Nosso autor certamente conseguiu. 

Por fim, que as próximas e antigas gerações possam ter o encontro com esta pedra fundamental da teoria social alemã contemporânea por caminhos menos tortos que o meu. E sim, que os julgamentos sejam pautados pela responsabilidade e equilíbrio desejáveis em qualquer ideia de justiça. Mas, me parece que qualquer outro adjetivo pode ser utilizado. Menos o de que Habermas seja um idiota.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Cyberativismo botafoguense - Mudemos o nome do Engenhão

Prezad@s,

Como é publicamente divulgado, minha preferência quando falamos no esporte bretão é pelo Botafogo.

Sabendo que o espaço aqui é também político, e pela deixa do Léo ao discutir o futebol brasileiro em outro post, venho divulgar um abaixo-assinado que julgo relevante. Que se mude o nome do Engenhão!

Oras, a reinvidicação é mais do que justa. Para além do apelido carinhoso com o qual todos se referem ao Estádio, este detém um nome oficial particularmente aviltante. "João Havelange" é um homem que deveria ter qualquer vinculação com o estádio do Glorioso? Em verdade, o nome deste senhor deveria ser lembrado em qualquer estádio de futebol do Brasil ou do mundo que não seja o dos campinhos de futebol nas colonias penais?

Em suma.. que se modifique. E porque não batizarmos o Engenhão com o nome de outros personagens absolutamente relevantes na história do Botafogo, estes sim que honraram com paixão a camisa alvinegra e ajudaram a divulgá-la com graça e galhardia no país e no mundo como o Mané, Nilton Santos, etc.??

Eis o endereço do abaixo-assinado. Que o Engenhão carregue o nome dos heróis da história do futebol e não de seus vilões:

http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2012N26720

Eu assinei! Aproveito a solicitação para que mesmo não botafoguenses façam o mesmo.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Caco Antibes bem poderia ser o Cidadão Kane dos trópicos. Preconceito não lhe faltava.




“O professor é um privilegiado”, “A educação ameaça quebrar o país”, “O professor luta contra a modernização da Universidade”.... com tais chistes a Grande Imprensa teima em fazer pouco caso da inteligência coletiva. 


O país está tão habituado com a corrupção e indecência desses meios de comunicação, que se um órgão de imprensa decidisse ser honesto viraria manchete........






Nunca a máxima de John Lennon (“A ignorância é uma dádiva”) foi tão festejada pela grande imprensa. Mas totalmente desvirtuada. É bom que se diga. Se em Lennon ela continha uma desilusão com o postulado transformador contido nos apelos iluministas, a imprensa brasileira a confunde com contra-informação. Como se desinformar o público leitor fosse um objetivo dos mais nobres, uma missão redentora. É incrível a incompatibilidade dessa mídia com notícia franca e pautada pela ética. Verdade e imprensa não se bicam no Brasil. Querem uma analogia? Veja (vou evitar usar essa palavra...) a relação entre Diego Maurício (atacante do Fla) e a bola. O ódio aqui também é recíproco, é o principal mediador dessa relação.

O caso das greves dos professores é sintomático. A abordagem efetuada por parte da Cosa Nostra midiática sobre o movimento dos professores impressiona pela vulgaridade. A afirmação de que os professores lutam por privilégios e não por direitos é fichinha. Eu já ouvia isso desde o tempo da Vovó Mafalda. E depois que me tornei historiador, vi que esse já era um chavão comum no jornaleco do Carlos Lacerda, o Tribunda de Imprensa. Hoje a mídia vai ás favas com todos os escrúpulos e consegue ir além. Maior “gasto” em educação, por exemplo, além de causar aumento de impostos, pode levar o Brasil à beira do abismo. Meu Deus, nem Roberto Campos, mesmo depois da 10ª talagada de vodka siberiana - sim, pra isso não havia pudores ideológicos por parte de nosso eterno Bob Field... – chegaria a tanto!

 Lendo as páginas dos pasquins a disposição vemos que há mais. O conteúdo pornográfico antes restrito às revistas masculinas, pode ser visto hoje inclusive em editoriais dos mais respeitáveis. Ou pelo menos no mais global deles. Vemos, assim, que os professores estão em greve para evitar as transformações que vem sendo operadas (com canivete enferrujado) na universidade pública. Na verdade, os professores lutam para continuar a não trabalhar, para continuar fingindo que dão aulas, para continuar a pendurar seus jalecos na poltrona enquanto curtem programação da Grobu, para prosseguir na arte de brincar de fazer ciência, de fingir que produzem etc. Os professores são praticamente chamados de malandros, alcoviteiros, espertalhões. Chega a dar saudade dos tempos de Flávio Cavalcanti quando ele acusava os professores de fazerem propaganda estalinista com tempero cubano nas salas de aula. Nem mais o direito ao glamour de sermos acusados de subversivos temos mais. Não, agora não, não somos mais acusados de termos uma ideologia – mesmo que feda. Agora somos associados a verdadeiros trambiqueiros. Vagamos hoje no mesmo terreno dos jogadores que fingem contusões para não jogarem. Somos hoje os servidores-chinelinho da educação. Che, Lênin, Trótsky, Fidel, Ho Chi Min, Rosa, Barão de Itararé... que nada. A desmoralização chegou a tal ponto que nos impingem como referências Ronaldinho Gaúcho, Romário, Tiririca, Joel Santana, Cabral, Mano Menezes - ou seja, figuras que “trabalham” nas horas vagas (que geralmente duram quase o dia inteiro).

Para defender tais conceitos a imprensa lança mão de recursos os mais rasteiros. Chega até mesmo a arregimentar ex-funcionários públicos. Até mesmo sociólogos. Um deles deixou uma universidade há alguns anos atrás. E decidiu então servir com galhardia à (iniciativa)privada. Mal sabia o Mundo (S.A.) que estava na verdade ganhando um grande comediante. Mas ele deve ter pensado: todo o artista tem de ir aonde o povo está. E começou a cavar uma vaguinha em alguma emissora de TV. E então não pensou de novo – aí já seria exigir demais....  – e concluiu que se um sociólogo pôde um dia fingir ser presidente por 8 anos, por que não um comediante fingir ser versado no mister sociológico.

Mas quis o destino que esse pândego fosse exercitar a sua larga veia para a comédia justamente num canal sobranceiro na arte de abrigar anos a fio figuras da estirpe de um Fofão, Topo Gigio, Golias e – impossível esquecer – Daniel Azulay, que botava pra quebrar com a sua Turma do Lambe-Lambe, sempre desejando muito algodão doce para a garotada.....

Mas que doce recanto é esse? Vocês podem estar se perguntando minha gente: estamos falando da Rede Bandeirantes. Fundada por João Saad, com grande ajuda ($$) do seu sogro, Adhemar de Barros (o do rouba, mas faz). E que decolou com a ajuda dos governadores biônicos da ditadura. A mesma TV que nos brindou com Bolinha e suas boletes. Lembram da Zulu, a que nunca sorria???

Quem poderia prever que a Band, canal de pura inucência, tornaria-se hoje um dos principais veículos de ataque ao funcionalismo público. Mas qual a surpresa? Lembremos de um outro componente do cast da emissora – o inconfundível Casoy.  Antigo militante do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), que a partir do Mackensie lutava contra os ímpios a serviço de Moscou, os lacaios ateus, esses algozes da família brasileira, poltrões que queriam cubanizar a pátria amada. Bóris, figura impoluta, de moral ilibada, até por isso só andava armado (Revista O Cruzeiro, 9/11/1968). Mas hoje sua arma é a palavra. A verdade. E é com ela que ele aponta para a cabeça dos funcionários públicos. Vadios que não querem trabalhar: “Uma Verrrgonha!” Frase também repetida à exaustão pelo comediante que agora divide a bancada com Casoy, o mesmo que horrorizado com a felicidade dos Garis com as festas de natal de 2009, exclamou: “Que merda!” Esse é o nosso Casoy, o Justo Veríssimo do telejornalismo tupiniquim.


E vejam também como a nossa grande imprensa tem os pés atolados num dos períodos mais deprimentes de nossa história. E olha que não falei da “Toda Poderosa”. Ah, também essa é café-com-leite. O órgão que saudou a “revolução redentora de 64” como o “ressurgimento da democracia”. Como as pessoas podem se surpreender com isso? Como elas podem esperar bom senso dessa gente? Como esperar o mínimo de honestidade intelectual no tratamento de matérias de conteúdo cívico e democrático, como é a demanda legítima e cidadã dos servidores públicos? Os servidores são tratados como vigaristas. Trata-se dum desrespeito, sem dúvida. Mas esperar alguma coisa do PIG, ainda mais honestidade, é o mesmo que esperar que caia neve no sertão do Seridó.

Não se surpreendam caso encontrem - numa antecipação da declaração de amor de Macarrão, o Maka, ao seu amado ex-goleiro do Flamengo, o Bruno – na lápide do patriarca global a seguinte inscrição: “Famiglia Marinho e Ditadura. A amizade nem mesmo a força da democracia popular irá destruir, amor verdadeiro!”



Leonardo Soares é historiador, professor da UFF/Campos e teima em ser flamenguista.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Para discutir a questão ambiental hoje - Arthur Soffiati


Breve apresentação do texto "Para discutir a questão ambiental hoje"

George Gomes Coutinho

Prezad@s,

Venho lhes trazer uma reflexão do prof. Aristides Arthur Soffiati. O mesmo se aposentou “oficialmente” há pouco enquanto professor de História do Pólo Universitário de Campos dos Goytacazes da UFF-Campos. Mas, nem de longe Aristides, como o chamo, calçou seus chinelos e pijama listrado. 

 Em verdade, Aristides é um dos mais eloquentes militantes da questão ambiental, além de pesquisador da área, e jamais abdicou da vocação pública que deveria ser uma das razões de ser da atividade intelectual.
Nestes tempos de “aposentadoria oficial”, Aristides prossegue atuando em grupos de pesquisa, intervindo nos níveis de ensino que lhe são apresentados e escreve regularmente. Além da produção científica, para os iniciados, o autor segue disciplinada intervenção na imprensa. Em âmbito local, mantém uma coluna semanal no jornal “Folha da Manhã”. 

Particularmente, no dia 13 de maio do ano corrente, Aristides nos apresentou o texto “Para discutir a questão ambiental hoje”, atento à conjuntura da Rio+20. O texto em si foi divulgado pelo teólogo e filósofo Leonardo Boff e foi traduzido para o inglês, o alemão, o espanhol e o italiano.  

Tomei conhecimento do conteúdo do artigo e observo os seguintes elementos: primeiramente, é um belo texto para “não convertidos”, informando sobre a gravidade estrutural da questão ambiental, ou para os “convertidos” que necessitam afiar seus argumentos em prol da causa. Igualmente, o enquadro enquanto “divulgação científica”, por traduzir para o leitor não especializado elementos de profunda complexidade.

Mas, o “creme de la creme” do texto é justamente seu núcleo, como se pode supor. Uma crítica direta, objetiva e sem peias ao padrão civilizatório em voga. O autor nos apresenta uma interpretação sistêmica dos marcos valorativos e materiais de nossa sociedade dentro dos limites do pequeno artigo. Sem desconsiderar a validade da produção de documentos normativos sobre a questão ambiental (vide Agenda 21 e congêneres), os mesmos se apresentam deficitários em termos de alcance ao se deparar com os fundamentos sistêmicos que guiam o Ocidente. 
 
Enfim, vamos ao texto:


Para discutir a questão ambiental hoje
Arthur Soffiati
Há cerca de 11 mil anos, a temperatura da Terra começou a se elevar naturalmente, produzindo o derretimento progressivo da última grande glaciação. Grande parte da água, passando do estado sólido para o líquido, elevou o nível dos mares, separou terras dos continentes, formou ilhas, incentivou a formação de florestas e de outros ambientes. Os cientistas deram a essa fase o nome de Holoceno.

Nesses últimos 11 mil anos, restou dos hominídeos apenas o Homo sapiens, que se tornou soberano em todo o planeta. Com um cérebro bem desenvolvido, ele foi desafiado pelas novas condições climáticas e domesticou plantas e animais, inventando a agropecuária. Criou tecnologia para polir a pedra, inventou a roda, a tecelagem e a metalurgia. Criou as cidades. Várias civilizações ultrapassaram os limites dos ecossistemas em que se ergueram, gerando crises ambientais que contribuíram para o seu fim.

O conceito de pegada ecológica se refere ao grau de impacto ecológico gerado por um indivíduo, um empreendimento, uma economia, uma sociedade. A pegada ecológica das civilizações anteriores à civilização ocidental sempre teve um caráter regional. O Ocidente foi a civilização mais pesada até o momento. O peso começou com o capitalismo, que transformou o mundo.

A partir do século XV, a civilização ocidental (leia-se europeia) passou a imprimir marcas profundas com a expansão marítima. Impôs sua cultura a outras áreas do planeta. O mundo foi ocidentalizado e passou também a pisar fundo no ambiente.

Veio, então, outra grande transformação com a Revolução Industrial. Ela se expandiu pelo mundo, dividindo-o em países industrializados e países exportadores de matéria-prima. A partir dela, começa a se criar uma outra realidade planetária, com emissões de gases causadores do aquecimento global, devastação de florestas, empobrecimento da biodiversidade, uso indevido do solo, urbanização maciça, alterações nos ciclos de nitrogênio e fósforo, contaminação da água doce, adelgaçamento da camada de ozônio, extração excessiva de recursos naturais não-renováveis e produção de quantidades inéditas de lixo.

Os cientistas estão demonstrando que, dentro do Holoceno (holos = inteiro + koinos = novo), a ação humana coletiva no capitalismo e no socialismo provocou uma crise ambiental sem precedentes. Eles denominam o período pós-Revolução Industrial de Antropoceno, ou seja, uma fase geológica construída pela ação coletiva do ser humano (antropos = homem + koinos = novo).
Em função dessa crise a ONU vem promovendo grandes conferências internacionais, como a de Estocolmo (1972), a Rio-92 e a Rio+20. O objetivo é resolver os problemas do Antropoceno, seja conciliando desenvolvimento econômico e proteção do ambiente, seja buscando outras formas de desenvolvimento. A Rio-92 adotou a fórmula do desenvolvimento sustentável, que ganhou diversos sentidos, inclusive antagônicos ao original.

Os países industrializados não querem abdicar da sua posição; os países emergentes querem alcançar os industrializados; e os países pobres querem ser emergentes. Enquanto não houver entendimento acerca dos limites do planeta, inútil pensar em justiça social e desenvolvimento econômico. O ambiente é mais importante que o social e o econômico, já que sem ele não se pode encontrar solução para os outros dois

domingo, 8 de julho de 2012

Triste Futebol nos Tristes Trópicos – parte 2 – Uma análise de conjuntura da mais bretã das paixões brasileiras


Triste Futebol nos Tristes Trópicos – parte 2 – Uma análise de conjuntura da mais bretã das paixões brasileiras

LEONARDO SOARES DOS SANTOS

Historiador, professor do Pólo Universitário da UFF em Campos e flamenguista.

(continuação – para ler a parte I clique aqui)


Mas o fato do futebol brasileiro ter esse senhor como cabeça não é nada se levarmos em consideração outras dimensões da enorme crise por qual passa o esporte bretão em terras brasílicas. Ela é também técnica. Nossos técnicos são uns dos piores dessa nossa aldeia global. Que time equatoriano, peruano ou boliviano contrata um treinador brasileiro? Nenhum. Só vemos isso na Birmânia, Índia e Camboja. E mesmo assim tais coaches fazem mais as vezes de pregadores evangélicos do que instrutores técnicos. Entre um “perseverai e orai” e “vigiai irmão”, os jogadores certamente devem ouvir dezenas de instruções instrutivas do tipo: “vamo lá”, “tem que diblar(sic)” e “tocô se apresentô”. A sorte desses coitados – nos dois casos - é que não devem entender bulhufas de português...

Nem falo de times europeus.... Nossos técnicos têm grande trabalho em conseguir permissão para períodos de estágios nos grandes times do “velho continente”. O campeonato brasileiro tem como craks jogadores veteranos, com mais de 34 anos. Juninho Pernambucano, que não conseguia acompanhar o ritmo do esforçado futebol francês faz milagres dignos de Padre Cícero nas pugnas locais. Todas as grandes contratações são de jogadores sem mercado algum na Europa. Assim foi com Ronaldinho Gaúcho, que fez o favor de jogar algumas partidas pelo Flamengo durante os 14 meses que passou nas noites do Rio. O Botafogo acaba de anunciar a contratação do Seedorf, decano do meio-campo da seleção holandesa. Deco, titular absoluto do Fluminense, não servia pra ser gandulinha no Almeria ou no Famalicão, nem no Apoel (do Chipre!), mas aqui dá passes, dribles e faz jogadas que certamente lhe fazem resgatar a auto-estima, pensar que aqui - mas somente aqui – ele é o tal, é o Fred Astaire dos gramados...

Com exceção honrosa do Corinthians, os jogadores – podem reparar - ainda se posicionam de acordo com o movimento da bola. O jogador não se coloca em função dos outros jogadores, em função do desenho tático do seu time (algo básico no futebol europeu e argentino, e até chileno). Ou seja, o jogador brasileiro - a não ser os afortunados que vão para a Europa – ainda atuam sob uma perspectiva puramente empírica: marcam a bola, vão aonde a bola está.

Sintomática foi a surra, anticristã e com requintes de crueldade, do Barcelona sobre o Santos no final de 2011. Em 20 minutos já estava 2 x 0 e isso porque Fábregas teve a coragem de perder gols que nem Oscar Niemeyer perderia. Foi visível a freada dos catalães no segundo tempo. Com pena de fazer um mal maior às carreiras dos “meninos da Vila Belmiro”. Mesmo assim alguns jogadores, além do nome do clube, sofreram. Danilo, por exemplo, saiu depois de dar um “jeito” nas costas, com o vaivém de passes de Messi e Cia. Isso não é brincadeira minha gente: um jogador de um time de ponta do país saiu descadeirado de campo por conta do troca-troca de passes do adversário. Coisa de comédia. Vaudeville total e absoluta. Isso sem contar os sujeitos totalmente perdidos, com a mesma cara daqueles figurantes depois que tomavam um tabefe de mão aberta do Bud Spencer, como o Edu Dracena.

E como se não bastasse ainda há uma grave crise financeira. Que não é exclusiva de nossos clubes, mas é mais preocupante, tendo-se em vista que são clubes de estrutura arcaica, muitos administrados sob um véu patrimonialista onde meia dúzia de famílias – no máximo - controlam desde a chave do portão até – o que é muito mais importante – as senhas das contas correntes da entidade. Sem nenhuma fiscalização, sem nenhum controle. Enquanto isso a cartolada cada vez mais rica. É imenso o crescimento do patrimônio de quem se dedica ao sacrifício de presidir um clube de futebol no país. Caso único no mundo em que uma função não-remunerada proporciona ao seu ocupante uma ascensão do patrimônio que pode chegar aos 1.000%! Lapidar, nesse sentido, a frase de um notório dirigente que afirmava a plenos pulmões na imprensa esportiva (e policial): “O Vasco é meu!”. O mesmo dirigente que, por sinal, teve a mala contendo todo o dinheiro da bilheteria de um jogo em São Januário roubada, quando se dirigia para sua.....casa.....

Não só os cartolas dos clubes, mas as próprias federações progridem. Ricas. Nababescas. Erguendo palácios suntuosos em meio ao pântano no qual sucumbem nossos times. Vide a nova sede da CBF no Recreio dos Bandeirantes, orçada em 7 milhões de reais. As entidades federativas, segundo um estudioso do tema, funcionam hoje como grandes gigolôs do futebol brasileiro: constituem seu dinheiro e patrimônio a custa do suor dos clubes, cada dia mais pobres. Situação em tudo oposto ao que ocorre na Alemanha, onde por lei, as federações são obrigadas a constituir um fundo para financiamento dos clubes. O caso da Alemanha é pertinente para uma outra comparação. Ali há um nítido processo de inclusão cada vez maior do povão nas arenas esportivas. Os ingressos são vendidos a preços populares, vários estádios reconstruíram a chamada geral. Temos o exemplo do Borússia Dortmund, com média de 84 mil torcedores em seu estádio, que é a lotação máxima. Aliás, são pouquíssimos os clubes alemães em crise, endividados, na mão de TVs etc.

Aqui nessas plagas temos o oposto. A geral foi varrida. Cada vez se criam artifícios para dificultar o acesso dos trabalhadores mais humildes às arquibancadas dos estádios. Artifícios que vão desde o valor altíssimo do ingresso até a marcação dos horários dos jogos, 22:00 durante a semana, 21:00 aos sábados. E nisso a principal protagonista – ah, adivinhem - é a Globo. Com os clubes na mão – vivendo de seus adiantamentos de direitos de transmissão – ela decide os jogos a transmitir, quando, onde. Se pudesse a Globo passaria jogo no horário do Corujão. Vários jogos são adiados pela própria TV, numa afronta ao Estatuto do Torcedor. A Globo chegou ao ponto de impedir que o campeão brasileiro desfile com a taça junto à torcida. Ritual básico e sagrado mesmo em países de nenhuma tradição futebolística como Afeganistão e Taiti. Com a Globo não, a taça do Campeonato só pode ser erguida numa festa (des)organizada por ela num teatro da burguesia da zona sul (Rio) ou da avenida Paulista (Sum Paulo). Nada de estranho para uma emissora que defende uma Democracia sem Povo. Futebol, festa popular, patrimônio da classe trabalhadora, é bom demais. Melhor se puder ser transmitido sem ele no estádio. E por determinação conjunta da CBF e da Globo, a Seleção brasileira só joga fora do país. A Seleção também foi sequestrada. Nunca a população foi tão indiferente a ela. No fundo, os brasileiros sabem que ela agora pertence às Organizações Globo. Dia de convocação da Seleção que antes parava o país, perde hoje até para a reprise do Chaves no SBT.

E a Copa de 2014 chegando. Mas cadê a alma, cadê a história desse futebol? Muitos outros países também estão em crise. Olha o caso da Espanha, não só os clubes estão endividados, o país está todo ele na pendura. Mas certamente o seu treinador e jogadores jogam para a Seleção, e não se comportam como funcionários de uma TV determinada. E o futebol, com todos os problemas, dívidas, celebridades ocas, limitações de ordem técnica etc., ainda é do povo. Mas, e aqui? Como mudar se o que há de mais retrógrado e reacionário se encontra no comando da sua maior entidade? Ou seja, falta tudo. Até pouca vergonha.....

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Triste Futebol nos Tristes Trópicos – parte 1 – A saga de José Marin: da latrina da ditadura para o estrelato da CBF




Triste Futebol nos Tristes Trópicos – parte 1 – A saga de José Marin: da latrina da ditadura para o estrelato da CBF



LEONARDO SOARES DOS SANTOS



Historiador, professor do Pólo Universitário da UFF em Campos e flamenguista.


Se já não bastasse a indigência técnica e a ruína financeira de seus times, a CBF se vê comandada por um dos apóstolos da ditadura militar e do malufismo. Para completar, o futebol, patrimônio histórico e cultural do povo, vai sendo sequestrado por um canal de televisão....


O que mais falta ocorrer para o Brasil ter a decência de pedir a falência de seu futebol???





Era mais uma tarde daqueles insuportáveis anos da ditadura, mais precisamente em 75, época da “distensão lenta e gradual”. E falsa. A repressão continuou a ser brutal, fato que o próprio Geisel reconheceria anos mais tarde, quando afirmou em 93 que a tortura era justificável para evitar “um mal maior” e que era necessária para se “obter uma confissão”.



O povo sofria com o salário arrochado. Falta de liberdade política. Música de péssima qualidade. Ronnie Von, por exemplo, não media consequências ao emplacar canções que entupiam os ouvidos dos incautos da época, hinos (ao mal gosto) cujos títulos não deixavam dúvida de sua índole sanguinária: “Baby de Tal”, “Viva o Chope Escuro”, “Riso Flor”, “Seu Olhar no Meu”, “Cavaleiro de Aruanda” e “Rosto Suado”. Na esteira dos crimes contra a saúde sonora da pobre gente trabalhadora tínhamos ainda um cartel (de drogas pesadas) pra ninguém botar defeito: Pimpinella entoava “Siga Seu Rumo”, Mauro Celso reinventava as entranhas do sistema hegeliano com seu “Farofa-fá-fá”, Jane e Herondi chocavam com o seu chocante “Não se Vá” e Lilian (já sem Leno) ainda tinha peito (voz nunca teve...) para berrar “Eu Sou Rebelde”. E o que falar dos The Silver Jets, do inabalável Reginaldo Rossi?



A mais sofrida sem dúvida, era a torcida do Flamengo, que tinha que engolir Fio Maravilha e Michila no ataque (de risos ou de nervos?) do time. Eram irmãos. Segundo Jorge Ben, o primeiro o encantava com “jogadas celestiais”. Baita de um gozador o autor da “Banda do Zé Pretinho”.



Depois dela, em matéria de sofrimento, vinha a sociedade paulista. Que convivia com um legislativo estadual da pior espécie. A sessão do dia 9 de novembro daquele ano é pra lá de emblemática. Nela, o deputado do ARENA, Wadih Helu dava informes sobre os festejos que cercaram a inauguração de uma bica em Capão Bonito, no sul do estado. Verdadeiro ritual cívico e corriqueiro, alimentado com dinheiro público, bem ao gosto dos politiqueiros de seu nível. Como se não bastasse, ele protestava veementemente contra a ausência da TV Cultura na cobertura de tal engodo. O que se devia segundo ele a grande “infiltração de elementos de esquerda no Canal”, a “TV Vietnam Cultura de SP” segundo ele, só mostrava em seus jornais miséria, pobreza, desgraça, mas não mostrava o Brasil como ele realmente era, “em pleno desenvolvimento”, um “verdadeiro oásis no mundo de hoje”. Helu estava possesso. E constante irritação e discursos acalorados seriam sua marca até seu último mandato. No início da década de 2000 ele, na mesma assembleia, se disse favorável a extinção de todas as praças públicas da cidade de SP e a construção em seu lugar de Shoppings e estacionamentos, porque segundo ele as praças eram lugar de “vagabundos, drogados e delinquentes”.



Mas naquela sombria tarde um outro parlamentar, também do ARENA, se encarregaria de lhe dirigir palavras apaziguadoras. Mas só para Wadih. Por que na verdade só ajudou a incendiar o clima e empurrar a polícia política contra a TV Cultura. Dirigindo-se ao governador do estado, o deputado praticamente implorava: “é preciso mais do que nunca uma providência, a fim de que a tranquilidade volte a reinar não só nesta Casa, mas, principalmente, nos lares paulistanos”. Seu recado para o DOI-CODI era claro: “o que não pode continuar é essa omissão”.



Mas Jose Maria Marin, esse é o seu nome, tinha sido muito mais contundente dois dias antes. E com a habilidade própria de políticos da sua cepa, ele deixaria nas entrelinhas uma mensagem claríssima sobre o que era necessário fazer para resolver a “presença comunizante” naquela TV. Em seu discurso ele faz questão de prestar os “melhores cumprimentos a um homem que, de há muito, vem prestando relevantes serviços à coletividade”. Ele e sua “valorosa equipe”. O nome desse homem: Sérgio Fleury. Delegado de Polícia, chefe do DOI-CODI, coordenador das sessões que extraíam “depoimentos” dos presos políticos e chefe – simples assim! – do famigerado “Esquadrão da Morte” de SP. Homem esse, continuava Marin sobre Fleury, “exemplar chefe de família”, “cumpridor de seus deveres e, acima de tudo, com uma vocação das mais raras, das mais elogiáveis”. Compungindo pelo seu próprio elogio, Marin nos confessa que não consegue “entender porque um policial desse quilate, um homem que vem dedicando sua vida inteiramente ao combate ao crime, um homem que por várias vezes colocou em risco não só sua própria vida, mas a vida de seus familiares, não tenha até hoje merecido a devida compreensão de todos aqueles que têm a obrigação de zelar pela tranquilidade e segurança dos lares de São Paulo”. Esses cumprimentos se referiam a uma recente prisão efetuada por Fleury. Esse é um detalhe muito importante.



Porque, na verdade, Marin buscava dirigir a esse delegado uma sinistra mensagem: “Não foi este o primeiro trabalho de capital importância que o delegado Sérgio Paranhos Fleury obteve em favor da coletividade, e tenho certeza absoluta de que também não será o último”.



Fleury parece ter entendido muito bem o recado. Insuflado por tantos “elogios”, poucos dias depois detonava uma operação fulminante na TV Cultura, levando dali direto para os porões do DOI-CODI, Vladimir Herzog, o Vlado. Que seria brutalmente espancado até o último suspiro, o que se daria no dia 25 de outubro. Exatamente 18 dias depois de Marin pronunciar a seguinte ode: “Conhecendo de perto seu caráter, sua vocação de servir, podemos afiançar, sem dúvida alguma, que Sérgio Fleury a ela se dedica com o maior carinho, sem medir esforços ou sacrifícios, para honrar não só a polícia de SP, mas acima de tudo, seu título de delegado de polícia”. A morte de Vlado até hoje nunca foi inteiramente esclarecida. A ditadura desapareceria uma década depois, até Sérgio Fleury apareceria morto – claro que misteriosamente – no litoral paulista. Pra completar: seria enterrado sem passar por autópsia. Eram muitos os obstáculos para esclarecer a morte de Vlado. Só não foi maior do que a recusa do governo de Vanda, quero dizer, da ex-guerrilheira Dilma, em reabrir as investigações sobre o caso, mesmo com as súplicas da OEA. Vlado, sua memória, a dor de sua família e a justiça que ele merecia foram descartados em alguma gaveta do gabinete da “mãe dos brasileiros”.



Mas voltemos ao nosso personagem (canastrão). Ainda antes do fim da ditadura, Marin se tornaria principal braço-direito de Paulo Salim Maluf. Seria seu vice por dois mandatos. Por conta da desincompatibilização de Maluf, que tentaria se lançar candidato a presidente. Ameaça que por pouco não se concretizou. Marin assume o governo de SP por 10 meses entre 82 e 83. Servindo-se do instituto do Governador Biônico. Ou seja, Marin foi alçado ao cargo de governador sem ter tido um voto – nem dele mesmo. Excrescência da ditadura, no afã de dar uma fachada democrática ao regime. Mas uma democracia sem povo – o sonho de consumo das Organizações Globo....










(fim da primeira parte)